18/06/09

Constatação


Naquele dia a família estava triste.
Olhei-me no bibezinho novo, de quadradinhos brancos e pretos, e achei aquela roupa estranha.
A minha mãe levou-me pela mão e juntámo-nos a outras pessoas que iam pela "estrada grande" e que poucas vezes eu tinha pisado.
As pessoas mais chegadas a mim choravam muito e outras, algumas, também choravam.
Eu sabia porque estavam todos tristes mas, embora também triste, eu não tinha vontade de chorar; pelo contrário, enquanto caminhávamos todos por aquela "estrada grande", uma canção veio ocupar o meu espírito, a minha mente e talvez o meu coração.
Cantei o tempo todo... não para fora, não com a minha voz, mas para mim mesma... ou para os que choravam... ou talvez até para aquele de quem nos estávamos despedindo...

Eu tinha 3 anos e estava no funeral do meu avô materno.

Durante toda a vida guardei as imagens desta memória como uma pequena ilha envolta no quase total esquecimento de tudo o resto!
Não recordo o rosto do meu avô, não recordo qualquer outra coisa dessa altura; e nunca consegui descortinar plenamente a razão porque ficaram registadas quando tudo o resto se foi.
O certo é que não esqueci!

... Há relativamente pouco tempo presenciei a despedida de uma mãe que entre lágrimas cantava para um filho levado precocemente... e também eu cantei para ele, aqui, dentro de mim...

Não sei o significado da minha pequena ilha mas uma coisa gostaria de confessar:
No dia em que eu própria partir, gostaria que todos os que por uma razão ou outra se fossem despedir de mim, cantassem!
Que unissem as suas vozes, se ligassem numa corrente de comunhão, de fraternidade, de amizade... E cantassem!
Cantassem para mim, cantassem para eles, cantassem para a Vida, para o Universo, para Deus... Cantassem ao Amor, à Esperança ou à Natureza... mas que cantassem na minha despedida!

Que na sua unidade encontrassem a sua Paz, o seu Equilíbrio. E que depois me deixassem partir nessa sua Paz e em Liberdade para onde quer que seja o meu destino marcado a partir de Aqui...

Filó (2006)

3 comentários:

Cacilda disse...

É realmente inexplicável a razão porque guardamos na nossa memória certas passagens, que nos aparecem como se de um quadro se tratassem.
Há, sem dúvida, uma explicação científica, nós é que não a sabemos.
Eu também tenho algumas recordações
de quando tinha sòmente 3 anos e uma delas também é da minha avó.

Quanto ao cantar, nem toda a gente o consegue fazer.

Bjos

Cacilda

Filó disse...

Científica... espiritual... também não sei!!!

Penso que porque nos marcaram de um modo ou outro. Apenas que não conseguimos descobrir a mensagem.
Mas isto é o meu ponto de vista, claro!

Quanto ao cantar...
Pois, na nossa cultura poderá ser visto de forma ... pouco correcta(?)

Para mim é natural, porque (confesso!) sempre "canto" nos funerais!
É mais uma das minhas coisas que aos olhos de outros devem parecer estranhas mas que para mim são naturais. De onde isso vem? Não sei!

Beijinho e obrigada por sempre comentar!
Filó

Cacilda disse...

Concordo que se guardamos memórias de tão tenra idade é porque essas situações nos marcaram muito. Talvez porque para uma criança de 3anos ouvir falar de morte deve ser muito estranho. Mas eu tenho outra memória que não tem nada a ver com morte, mas era invulgar.

Cantar em funerais penso que tem a ver mais com o acreditar que existe
outra vida, provavelmente mais feliz, e assim sendo a pessoa libertou-se para uma vida melhor.
É evidente que isto não se aplica a uma criança de 3 anos.

Bjs

Cacilda