Escondi as palavras na minha mão cerrada. Agarrei-me a elas como se foram o alicerce da própria vida e tal como naufrago se agarra a seu salvador, sufoquei-as na inconsciência do meu proceder.
E as palavra ficaram sem voz na minha mão, caladas no medo dos preconceitos.
...Simples palavras que eu não soube dizer!...
Senti-as revoltarem-se inquietas. Senti-as rasgando-me a carne, lutando na escuridão procurando uma fresta por entre os meus dedos... Mas a minha mão cada vez mais fechada, cada vez mais cruel, mais obstinada, continuava seguindo o dever que eu lhe havia imposto.
...Simples palavras fechadas na minha mão!...
E as palavras agigantavam-se, contorciam-se sem voz, penetravam na pele, penetravam no sangue, percorriam o meu corpo numa ânsia infinita por liberdade. Senti-as vibrando na alma, chicoteando o meu corpo, deslizando silenciosas e húmidas sobre o meu rosto...
...Simples palavras que eu não soube dizer!...
Mas as palavras agigantaram-se, multiplicaram-se e cresceram até que a minha mão, pequena e frágil, não tinha mais força nem espaço para as segurar. Assim, o meu corpo e a minha alma inundaram-se de sons, até todo o meu ser se transformar num grito abafado de palavras sem voz...
...Simples palavras fechadas na minha mão!...
Então, tal como tempestade que vem assolando montes e vales, mares e oceanos, um dia, sob um céu de chumbo, as palavras soltaram-se em fúria num ribombar de trovões, em bátega de água sobre o meu rosto, em raios fulminantes e incontroláveis. Ondas gigantes rebentaram contra os rochedos, bateram contra os penhascos, inundaram praias e cercanias...
... As simples palavras que eu não soube dizer!...
Depois, a tempestade passou. O Tempo seguiu o seu curso e secou o meu rosto. O sol regressou e brilhou sobre as praias, as flores renasceram e enfeitaram os campos, e o meu Ser, liberto das palavras, lentamente também renasceu!...
Na minha mão, teimo ainda guardar palavras!!
Sinto-as por vezes revolverem-se inquietas, mas não pretendo reviver tempestades. Assim, quando o sol começa a se esconder sob nuvens mais carregadas, eu abro a minha mão e deixo-as em liberdade. Vejo-as depois já difusas na luz renovada do amanhecer. Então eu sei:
não haverá mais palavras asfixiadas na minha mão!
Filó (1995)
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